Aterramento de Estruturas de Linhas de Transmissão

As modernas técnicas de projeto e construção de linhas de transmissão procuram dotar as mesmas de proteção contra descargas atmosféricas diretas. Cabos para-raios são colocados, adequadamente, visando assegurar a blindagem dos cabos condutores contra descargas.

Por outro lado, para o escoamento das cargas, é necessário uma baixa resistência de pé de torre, geralmente assegurada no projeto e na construção, que devem sofrer um controle rigoroso para que se mantenha constante no decorrer do tempo. A manutenção dessas resistências em valores compatíveis com o projeto da linha de transmissão é essencial para assegurar o desempenho operacional desejável da linha, como visto no post anterior.

A resistência de aterramento deve estar com os seu valor dentro dos requisitos estabelecidos em projeto (aproximadamente 20 Ω). Caso os critérios estejam violados (devidamente aferidos através de medições), torna-se necessário o re-dimensionamento da malha de aterramento.

O CONTRAPESO

O método normalmente empregado para diminuir a resistência de aterramento é através da instalação de fios “contrapesos” estendidos sob o solo a uma profundidade de 50 cm, obedecendo uma determinada configuração.

O contrapeso é essencialmente uma impedância que tem um valor inicial entre 150 e 200 Ω, o qual decai, exponencialmente, até o valor da resistência de dispersão  final em um tempo, em microssegundos, aproximadamente igual a seis vezes o comprimento do contrapeso em milhares de pés [1]. Portanto, o contrapeso possui as seguintes características:

  • a impedância de surto inicial;
  • a resistência final de dispersão;
  • o tempo de transição entre o valor inicial e o valor final (resistência de dispersão); esse tempo, foi observado empiricamente, ser numericamente igual a seis vezes o comprimento do contrapeso em milhares de pés;
  • o acoplamento com os cabos condutores e pára-raios.

Neste contexto, as seguintes premissas devem ser atendidas para o dimensionamento do contrapeso [1]:

  • o comprimento de cada fio contrapeso deve ser tal que a sua resistência de dispersão seja substancialmente menor do que a sua impedância de surto;
  • seu comprimento, em milhares de pés, não deve exceder 1/6 da menor frente de onda, em micro-segundos, de um surto de descarga ao qual ele possa ser submetido;

Essas características e premissas podem ser melhor visualizadas através da ilustração contida na Figura 1. Nesta figura são representadas as duas grandezas de interesse: impedância de aterramento e surto atmosférico. Neste caso, a frente de onda é considerada igual a 1,5 microssegundos, a impedância de aterramento inicial 220 e o valor final (resistência de aterramento) igual a 20 Ω.

Por exemplo, ao se assumir frente de onda  igual a 2,07 (130 % da frente convencional para ensaios) a dimensão máxima dos contrapesos fica limitada em 105 m. Na Figura 2, encontra-se ilustrada a configuração básica adotada para os fios contrapeso.

Figura 2 – Configuração básica do contrapeso

Nesta figura, alguns detalhes adicionais merecem ser comentados [1]:

  • o ângulo de 45° possibilita o aumento do acoplamento com o condutor, diminuindo a diferença de potencial na cadeia de isoladores, por ocasião do escoamento de descargas atmosféricas;
  • colocar esse ângulo maior, por exemplo 80° ou 90°, incorporaria um aumento no acoplamento entre os seguimentos dos próprios contrapesos;
  • a fixação do contrapeso enterrado na projeção dos cabos condutores aumenta o acoplamento entre eles, o que acarreta na diminuição da tensão sobre a cadeia de isoladores, por ocasião do escoamento da corrente de descarga atmosférica; ou seja, nesta ocasião, surge uma sobretensão induzida no cabo condutor, a qual irá diminuir a tensão aplicada à cadeia de isoladores; é importante lembrar que o evento ocorre em microssegundos e que é necessário usufruir de todas as condições que levem a diminuir a tensão imposta à cadeia de isoladores, foco central das atenções, de tal forma a não conduzir à falha do isolamento, curto-circuito fase-terra e consequentes perturbações operacionais ao sistema;
  • recomenda-se que o contrapeso seja enterrado a 50 cm, mais para evitar roubos do que por vantagens elétricas;
  • é discutível a utilização de contrapesos contínuos torre a torre, em casos de resistividades muito elevadas, violando, por exemplo, o limite dos 105 m, pois aumenta a corrente induzida no loop “cabos pára-raios-torres-contrapesos”, implicando em maiores perdas por efeito Joule, nos cabos para-raios multi-aterrados.

Para verificar a vantagem/desvantagem de se utilizar contrapesos contínuos foram feitas simulações específicas, utilizando-se o Alternative Transient Program (ATP) [2]. Na Figura 3 encontra-se ilustrada a situação contrapeso não contínuo [3].

Figura 3 – Ilustração considerando os contrapesos não contínuos [3]

A primeira montagem foi feita utilizando os cabos contrapesos com o comprimento de 105 m . A distância entre as torres é de 300 m, cada uma foi modelada com o seu contrapeso com resistência equivalente de 50 Ω (quatro contrapesos de  200 Ω em paralelo). O decaimento da impedância de surto do seu valor inicial até o valor final da resistência de dispersão não foi considerada para facilitar os modelos aplicados. Os cabos condutores entre as torres têm uma impedância de surto de  400 Ω (valor típico) [4]. Na Figura 4, é ilustrado o circuito montado no ATP, na qual a estrutura central foi atingida pela descarga atmosférica. A evolução temporal do surto de tensão é monitorado nesta estrutura.

Figura 4 – Circuito elétrico montado no ATP para a ilustração física apresentada na Figura 3 [3].

O gráfico da tensão monitorada é ilustrado na Figura 5, no qual se observa que a tensão atinge um valor máximo de 1.200 kV.

Figura 5 – Gráfico da sobretensão na torre monitorada [3].

Será verificado, agora, se o uso de contrapesos contínuos trás alguma vantagem sobre o seu uso sem continuidade. Deseja-se verificar se interligar os contrapesos de torres vizinhas, como ilustrado na Figura 6, causa uma menor sobretensão.

Figura 6 – Ilustração do uso de contrapesos contínuos [3].

Nesta situação, os contrapesos foram modelados como tendo 150 m  de comprimento, já que o espaço entre torres é de 300 m. Como eles agora estão dispostos em pares ao invés de quartetos, deve-se atentar para a resistência equivalente, que foi dividida por dois ao invés de quatro, obtendo-se o valor de 100 Ω. Na Figura 7 é ilustrada a montagem feita, no ATP, com essas considerações.

Figura 7 – Circuito elétrico montado no ATP para a ilustração física apresentada na Figura 6 [3].

O gráfico da tensão monitorada é ilustrado na Figura 8, na qual se observa que a tensão atinge um valor máximo de 1.500 kV. Verifica-se, portanto, que essa configuração não trás vantagem sobre o seu uso sem continuidade, pois a sobretensão máxima monitorada foi maior do que na situação anterior.

Figura 8 – Gráfico da tensão na torre com o uso de contrapesos contínuos entre torres vizinhas [3].
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DIMENSIONAMENTO DOS CONTRAPESOS

Respeitadas as condições relacionadas com o tempo de transição entre a impedância de surto inicial e a resistência final de dispersão, o comprimento de cada segmento do contrapeso ilustrado na Figura 2 é calculado a partir da Equação (1) [1].

onde:

  • Rc – resistência de dispersão em Ω;
  • rô – resistividade do solo  (Ω.m);
  • a – raio do contrapeso (m);
  • S – distância do fio contrapeso a sua imagem (m).

A bitola do contrapeso influi muito pouco no valor da resistência de dispersão; os mais utilizados são os 4 e 6 AWG.

Neste contexto, se faz necessária a monitoração sistemática da resistência de aterramento das estruturas. A periodicidade dessas aferições deve ser função de políticas técnicas da empresa de forma proativa (a cada 10 anos, por exemplo) ou voltada para corrigir desempenho operacional insatisfatório. Nessas aferições, deve-se realizar, também, o levantamento da resistividade do solo, no qual a estrutura está locada, aproveitando o deslocamento da equipe, já prevendo a necessidade dore-dimensionamento dos contrapesos. Devem ser realizadas em períodos secos, de tal forma a se obter os maiores valores, os quais variam sazonalmente e retratam a pior condição operacional.

A título de exercício do processo de dimensionamento, considere que se deseja corrigir o aterramento de uma estrutura, através de contrapeso, na configuração indicada na Figura 2, com fio 6 AWG. Calcule a dimensão de uma das 4 pernas do contrapeso, através da Equação (1), considerando um solo com resistividade de 550 Ω.m e uma estrutura com resistência de aterramento monitorada de 60 Ω. Considere que o contrapeso será estendido a 50 cm de profundidade e que a resistência de pé de torre pretendida é de 20 Ω. Para essas condições, aplicando a equação, a dimensão necessária do contrapeso seria 40,98 m.

ASPECTOS TÉCNICO-ECONÔMICOS RELACIONADOS

Os projetos de linha de transmissão são feitos de tal forma que os valores das resistências de aterramento atendam a valores específicos, dentro de uma faixa, exemplo:

  • 50 % < 15 Ω;
  • 50 % entre 15 e 30 Ω.

Nessa situação, o re-dimensionamento deve ser feito de tal forma que haja uma minimização da extensão total dos contrapesos a serem instalados, atendendo a distribuição final proposta. Irá incorporar uma maior economia objetivar a resistência de 15 Ω para a metade das estruturas que apresentaram menor valor de resistência monitorada, objetivando-se 30 Ω para as demais.

Como a proteção de linhas contra descargas atmosféricas implica em custos elevados, torna-se necessária a introdução de ferramenta específica que balize o custo benefício da aplicação de determinadas técnicas de proteção.

Esta ferramenta deve considerar o ganho final associado à redução da taxa de falha transitória da linha por descarga atmosférica. Existem algoritmos computacionais que procuram inferir tais taxas de falha associando as características da linha e do ambiente em que a mesma está inserida [5].

Nas características da linha deve ser considerada a geometria da estrutura, detalhando o posicionamento dos cabos para-raios e distribuição dos valores de resistência de pé de torre a ser praticada.

Nas características do meio ambiente devem ser consideradas as taxas de incidência de descargas atmosféricas na região, intensidade e a forma dessas descargas, levantadas através de estações climatológicas próximas ao traçado da linha em estudo.

Os aplicativos procuram inferir estatisticamente como a nova linha se comportará, podendo ser possível estabelecer a distribuição das resistências de aterramento mais adequada e/ou a necessidade de se rever o posicionamento dos cabos cabos para-raios.

ATERRAMENTOS ESPECIAIS

Os aterramentos especiais de estruturas de linhas de transmissão de energia elétrica visam incorporar segurança às pessoas e instalações ferroviárias ou industriais próximas à linha (linhas e estações de metrô, gasodutos, aquedutos, etc).

Os tipos de impactos que podem surgir estão associados aos seguintes fenômenos eletromagnéticos [6]:

  • acoplamento indutivo;
  • acoplamento capacitivo; e
  • acoplamento condutivo.

Exemplificando o caso de compatibilidade eletromagnética com gasodutos, o acoplamento indutivo, ou indução eletromagnética (ou ainda acoplamento magnético), ocorre devido ao campo magnético variante no tempo, oriundo das correntes que fluem nos condutores de uma LT, gerando uma força eletromotriz induzida o que ocasiona uma indução de tensão na tubulação e consequentemente a circulação de uma corrente na mesma [7].

O acoplamento capacitivo, ou indução eletrostática (ou ainda acoplamento eletrostático) ocorre devido ao campo elétrico emanado dos condutores da LT, os quais estão em um meio dielétrico (ar atmosférico) atingindo a tubulação isolada do solo, resulta no acúmulo de cargas elétricas na superfície da tubulação metálica, dando origem a capacitâncias entre a LT e a tubulação [8].

O acoplamento condutivo ou resistivo (ou ainda elevação de potencial do solo) é causado pela circulação de corrente no solo numa situação de curto-circuito, em que a corrente de falta é drenada para o solo por meio do aterramento da LT. Neste caso, o potencial do solo é elevado e distribuído ao redor dos condutores de aterramento na forma de gradientes de potencial [7].

Segundo o CIGRÉ [9], internacionalmente admite-se uma tensão limite de 50V ou 65V na tubulação metálica, a depender do país, na condição de regime permanente, de tal forma a incorporar segurança às pessoas [8].

No Brasil, a NBR 5410 [10], no apêndice relativo à proteção contra choques elétricos, é admitida uma tensão de contato limite de 50V em ambiente seco, 25V em ambiente úmido e 12V dentro da água.

Para os dois primeiros tipos de acoplamentos, a solução seria introduzir secionamentos e isolamentos especiais (juntas isolantes) aos gasodutos, de tal forma a restringir as tensões induzidas aos valores preconizados pela NBR 5410.

Já para o caso do acoplamento condutivo a sua intensidade depende das seguintes variáveis [9]:

  • intensidade da corrente de curto-circuito;
  • quantidade e tipo de condutores para-raios;
  • distância entre a malha de aterramento e a tubulação;
  • geometria da malha de aterramento;
  • resistividade elétrica e estratificação do solo.

Para este tipo de acoplamento, além dos cuidados de secionamento da tubulação e isolamentos especiais, é necessária a concepção de aterramento da estrutura não convencional, o qual, com geometrias especiais, permita minimizar a transferência de potencial elétrico, quando da injeção de correntes de curto-circuito no solo, superiores aos valores máximos preconizados pela NBR-5410.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Avaliando as características físicas de uma linha de transmissão como um todo, os materiais e componentes constituintes da mesma respondem diretamente pelo seu desempenho. É necessário, portanto, o conhecimento detalhado de  suas características elétricas e mecânicas no sentido de preservar os índices de continuidade desejável para a linha.

Por outro lado, estações meteorológicas que rastreiem as características ambientais da região atravessada pela linha de transmissão são essenciais para balizar o planejamento e o projeto adequado da nova obra.

Ainda nesta tônica, sensores que afiram, em tempo real ou em periodicidades criteriosamente estabelecidas quanto a evolução de processos degenerativos dos diversos componentes da linha, são essenciais para assegurar as ações oportunas da manutenção da instalação e assegurar os índices operacionais desejáveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] MONTEITH, A. C.; HARDER, E. L.; CLAYTON, J. M. Electrical Transmission and Distribution Reference Book, Chapter 17: Line Design Based on Direct Strokes, 1964.

[2] H. W. Dommel and S. Meyer, Eletromagnetic Transients Program (EMTP)/Alternative Transient Program (ATP). Version 2019. Bonneville Power Administration, Portland, OR, USA: BPA and Leuven EMTP Centre (LEC), 1960_2019.

[3] Viana C. C. C. “Avaliação de Aterramentos Convencionais para Estruturas de Linhas de Transmissão”. Trabalho de Conclusão de Curso de Engenharia Elétrica. UFPE. 2018.

[4] D’AJUZ, Ary et al. Transitórios Elétricos e Coordenação de Isolamento: Aplicação em Sistemas de Potência de Alta Tensão. 1ª. ed. Rio de Janeiro: EDUFF, 1987. 425 p.

[5] IEEE PES Lightning Performance of Overhead Lines Working Group: 15.09.08. IEEE FLASH v. 2.0. 2016. Site: https://ewh.ieee.org/soc/pes/lpdl/

[6] Alves E. S. “Análise de Impactos Eletromagnéticos de Linhas de Transmissão sobre Tubulações Metálicas”. Trabalho de Conclusão de Curso de Engenharia Elétrica. UFPE. 2019.

[7] GUMMOW, R. A. A/C Interference Guideline Final Report. 1. ed. Ontario: CEPA, 2014.

[8] BRITTO, A. G. M. Modelagem das interferências eletromagnéticas entre linhas de transmissão e tubulações metálicas subterrâneas e análise de impactos. 2017. Dissertação (Mestrado em Engenharia Elétrica) – Faculdade de Tecnologia, Universidade de Brasília, Brasília, 2017.

[9] CIGRÉ, Guide Concerning influence of high voltage AC power systems on metallic pipelines. CIGRE Working group, v. 36, 1995. Paris, 1995.

[10] ABNT NBR 5410. Instalações Elétricas de Baixa Tensão. 2008.

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